
4ª Secção – APERFEIÇOAMENTO DA ORDEM JURÍDICA
A URGÊNCIA DA REFORMA DO PROCESSO DE INVENTÁRIO
Os cinco anos de vigência do atual regime do processo de inventário (Lei nº 23/2013), merecedor de geral repúdio dos advogados, muito criticado pelas magistraturas e aplicado pelos notários a contragosto, revela o seu enorme falhanço que se vem acentuando, impondo urgente intervenção
A reforma assentou na revogação do regime anterior, que confiava aos Tribunais decidir sobre as partilhas quando o acordo entre os interessados era impossível, e atribuiu imperativamente tal competência aos notários
Ora, os inventários correspondem muitas vezes a momentos-chave da vida dos cidadãos, visando partilhar um património hereditário familiar vindo de gerações, ou um património conjugal após o fim dum casamento
Revestem-se frequentemente de grande litigiosidade, com posições extremadas e questões exigindo delicadas diligências instrutórias.
A reforma, justificada pela alegada intenção de os agilizar, diminuindo a sua pendência, impunha cuidada ponderação, por respeitar a um processo delicado, de grande tradição e importância no nosso ordenamento
Porém o novo regime atabalhoadamente imposto, atribuindo aos notários competência exclusiva para os inventários, incluindo a instrução e decisão das questões controvertidas, não se adequa à “justa composição do litígio” respetivo, retirando-o da alçada dum juiz, titular da função jurisdicional, dotado de independência e preparação específica, e entregando injustificadamente a tarefa a um notário, sem formação nem vocação para questões contenciosas, que não assegura o distanciamento, imparcialidade e independência dum juiz
É hoje generalizadamente reconhecido que, além da falta de preocupação com a sua conformidade constitucional, a reforma foi precipitada, sendo absurdas várias soluções consagradas
Desde a criação do Estado de Direito é constitucionalmente garantido aos nossos concidadãos um juiz independente para dirimir as suas questões contenciosas, e ninguém sabe melhor que os advogados como é inaceitável aos clientes ver-se coagidos a depositar num profissional liberal a resolução dos contenciosos relativos a algo tão importante como a partilha, da qual pode depender o seu futuro e dos seus
O novo regime tem conduzido ao caos de que todos se queixam, incluindo os próprios notários, supostos beneficiários da reforma
E, se a retirada do processo dos Tribunais visou aumentar a celeridade e diminuir a sua elevada pendência, a experiência desmente-o, pois só vão chegando lentamente a final os processos sem litígios para resolver ou em que tenha havido acordo, continuando os outros a arrastar-se penosamente
É pois inquestionável a necessidade de corrigir a situação, assegurando que nos casos em que as partilhas não possam realizar-se por acordo (por desentendimento entre os interessados ou por haver interessados menores, incapazes, ausentes ou incertos), e seja pois necessário recorrer a processo de inventário, ele deverá voltar a ser tramitado no lugar próprio –obviamente o Tribunal – enquanto houver litígio
Aí têm os cidadãos o direito constitucionalmente garantido de ver os seus conflitos decididos por um juiz de direito, com as garantias e responsabilidades inerentes, só sendo aceitável intervenção do notário por acordo de todos os interessados e em fase posterior à cessação do litígio envolvido no processo
Mas nunca se deverá poder atribuir a competência ao notário no caso de existirem interessados menores ou equiparados, e deverá determinar-se que, para impedir que tal competência possa ser imposto aos outros interessados sem o seu acordo, os citados para um inventário requerido em cartório notarial possam opor-se no prazo de dez dias, o que originará a remessa do processo para o Tribunal
Conclusões
- O processo de inventário deve ter intervenção obrigatória de advogado e correr nos Tribunais enquanto existir litígio ou haja interessados menores, incapazes, ausentes ou incertos, casos em que deverá ser obrigatória a intervenção do Ministério Público.
- É direito dos cidadãos portugueses que os seus conflitos sejam decididos por um juiz independente, com dignidade e responsabilidades próprias de um titular da função de julgar visando obter a justa composição dos litígios, e não por um notário, profissional liberal sem independência nem autoridade, não preparado nem vocacionado para exercer tal função.
- 3. Iniciado no Tribunal, ou para ele remetido nos casos abaixo elencados, o inventário só deve ser enviado para o cartório notarial depois de obtido acordo sobre a partilha ou proferida decisão sobre as questões litigiosas e definido o quinhão de cada interessado, para que o notário pratique então os atos atinentes à conclusão formal da partilha e a promoção dos registos e participações fiscais.
- Deverá ser revogada a regra de a maioria de dois terços decidir sobre o preenchimento dos quinhões dos restantes herdeiros e da substituição de licitações entre os herdeiros por propostas em carta fechada, e alterado o regime das custas.
- O requerente do inventário deverá poder apresentá-lo em cartório notarial quando não haja intervenção obrigatória do Ministério Público, ficando a competência inicial do cartório dependente de nenhum dos interessados se lhe opor após a citação, o que, a ocorrer, ocasionará a sua remessa para Tribunal, o mesmo sucedendo se, durante a sua pendência no cartório, se suscitarem no processo questões litigiosas não resolvidas por acordo.
José Rodrigues Braga
Tiago Rodrigues Bastos
José António Braga
Paulo F. Pinto